Futebol é política e o Corinthians é resistência

Gustavo Diniz
5 min readJul 29, 2020

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Marcelinho, ao se aliar a Bolsonaro, você comete um pecado maior do que usar a camisa do Palmeiras em dia de clássico.

O futebol faz parte da nossa cultura. Não só das tardes de domingo à tarde quando vibramos, gritamos e choramos com nossos times. Não é como um ato religioso ou um compromisso, o futebol em nossas vidas é um ato fé. Por ele fazemos promessas, ficamos irritados, felizes. Pelo futebol moldamos nossas relações, nosso guarda-roupas — jamais verão um corinthiano usar verde num domingo de clássico.

Em resumo, o futebol nos molda enquanto sujeitos. Se você nunca passou a noite acordado/a esperando um jogo decisivo no dia seguinte, nunca teve êxtase de chorar com um gol aos 45 minutos do segundo tempo, então certamente esse texto não é pra você, mas para uma boa parte dos brasileiros.

Vimos grandes craques, acompanhamos suas vidas, acompanhamos suas opiniões e o fato da gente comprar uma chuteira que custa metade do nosso salário só porque o Neymar está usando mostra que esses craques formam também nossas opiniões. Mas como nem tudo são flores, a vida também é política.

Para se instaurar um processo autoritário é preciso convencer as massas. Por mais que se tenha domínio das forças armadas, sem um processo de convencimento de uma parte da população, através de mentiras e distorções da realidade, como, por exemplo, uma suposta ameaça comunista e sem uma tomada para si dos objetos de consumo de massa para moldar a percepção popular sobre uma determinada ideologia política, opiniões e o futebol é um deles, nenhuma vislumbre autoritário terá êxito.

Quem estuda um pouco da história da brutal e assassina ditadura militar no Brasil vai se lembrar de como a ditadura utilizou a mágica seleção de 70 para introduzir ideais nacionalistas e para construir a imagem de um país “unido” em torno desse ideal.

“Noventa milhões em ação
Pra frente Brasil, no meu coração
Todos juntos, vamos pra frente Brasil
Salve a seleção!!!
De repente é aquela corrente pra frente, parece que todo o Brasil deu a mão!
Todos ligados na mesma emoção, tudo é um só coração!
Todos juntos vamos pra frente Brasil!
Salve a seleção!
Todos juntos vamos pra frente Brasil!
Salve a seleção!
Gol!”

Mas o futebol é também um organismo vivo que move as massas e que resiste, muito por isso o então técnico da seleção brasileira de 70, João Saldanha, militante do Partido Comunista, jornalista e escritor foi sacado da seleção brasileira após fazer duras críticas ao então ditador que comandava a nação. Seu nome assim como o de diversos jogadores que usavam sua influência para se opor à brutalidade constava nos documentos secretos.

O Corinthians é parte desse processo. Fundado por trabalhadores no bairro do Bom Retiro, em São Paulo, o clube tem em sua história o orgulho de no auge da Ditadura ter levado a marca da Democracia Corinthiana. Não poderia ser diferente, a Gaviões da Fiel, maior torcida organizado do país, surge exatamente como um movimento de resistência aos expoentes autoritários que começam a querer tomar conta do clube.

Num Corinthians x Santos pelo Campeonato Paulista de 1979, mais de 100 mil pessoas no Morumbi viram a faixa de “Anistia ampla, geral e irrestrita” estendida. Anos depois viram o clube dar aos atletas as decisões usando a palavra democracia quando ela ainda era subversiva. Viram jogadores como Sócrates, Casagrande e Wladmir estenderem os punhos serrados, quando isso representava perigo. O Corinthians sempre foi uma luz democrática em meio a escuridão do autoritarismo.

Hoje, após décadas de luta e conquista de direitos, esse mesmo autoritarismo toma novas formas, novas linguagens, mas a estratégia é a mesma. O futebol ainda é paixão e ainda tentam usá-lo como instrumento, felizmente nossa memória não é curta.

O presidente da República, Jair Bolsonaro, enquanto deputado do segundo clero usou e abusou do dinheiro público sem contrapartida alguma. Exaltou a ditadura, exaltou ditadores e torturadores — ter exaltado um torturador no meio do congresso nacional e ter saído livre talvez explique um pouco da lama em que estamos expostos hoje — , desprezou a democracia e os democratas e já eleito endossou e participou de manifestações pelo fechamento do Supremo Tribunal Federal no meio da maior crise sanitária de nosso século.

Ainda assim, dirigentes e jogadores esquecem e repudiam a história de seus clubes ao se aliar com o autoritarismo em troca de benesses. Hoje o presidente usa da Medida Provisória que dá aos mandantes o direito para transmitir seus jogos, em troca de um apoio e de colar a imagem do clube ao presidente. Embora a MP beneficie em alguma medida os clubes, não se pode ignorar a desastrosa gestão da pandemia por parte de Jair Bolsonaro e suas declarações antidemocráticas, machistas, homofóbicas e racistas.

O ídolo do Corinthians, Marcelinho Carioca, o “pés de anjo”, parece ter esquecido a história do clube. Se reuniu com Bolsonaro, entregou nosso manto sagrado e democrático e pisou em suas história dentro do clube. Marcelinho, nem só de feitos esportivos se faz um ídolo e disso Sócrates sabia muito bem, você deveria aprender. O caráter e os valores são essenciais, esses você jogou no lixo.

Gostaria de lembrar as palavras do Ministro da Economia de Bolsonaro, o entreguista, Paulo Guedes: “O Corinthians é oposição”, somos, com orgulho!

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Gustavo Diniz

Estudante de Letras com dupla habilitação em Português e Alemão na Universidade de São Paulo. Apaixonado por literatura, futebol e política.